O PSDB decide nos próximos meses o futuro da legenda que governou o país sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso e perdeu o protagonismo político com a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) e a nova oposição ao PT nas eleições presidenciais. Enquanto isso, os tucanos tentam manter a força política nos estados em que governam, o que deve pesar na discussão sobre o processo de fusão da sigla com outro partido.
Com o derretimento provocado pela saída de políticos filiados durante o exercício de mandatos, uma das medidas tomadas foi concretizar a federação com o Cidadania. O próximo passo é a fusão com outra sigla. Entre as opções, estão o Podemos, MDB e o PSD. A liderança tucana aposta que os governadores Eduardo Leite (RS), Eduardo Riedel (MS) e Raquel Lyra (PE) devem continuar no partido após a definição do processo de fusão pela sobrevivência do PSDB na política nacional.
A realidade regional molda cenários particulares aos governadores. A situação é mais confortável no Mato Grosso do Sul, onde Riedel é responsável pela continuidade da gestão tucana depois de oito anos de mandato de Reinaldo Azambuja. Ele foi eleito em 2022 pelos sul-mato-grossenses e disputa a reeleição no próximo ano.
“Hoje é o partido mais forte no estado com dois governadores sucessivos do PSDB, além de uma grande bancada na Assembleia Legislativa e na Câmara, com os deputados federais. Muitos prefeitos também foram eleitos com apoio do Riedel”, afirma o deputado federal Beto Richa (PSDB-PR), ex-governador paranaense e uma das principais lideranças tucanas no país.
No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite volta a ser cotado como presidenciável 2026, depois do imbróglio interno do PSDB no pleito de 2022, quando João Dória venceu as primárias, mas não disputou as eleições à Presidência da República. Leite era considerado o nome mais forte por parte dos tucanos na tentativa de emplacar uma terceira via no cenário de polarização entre Lula e Bolsonaro.
Em caso de fusão com outro partido, a candidatura de Leite ao Planalto deve entrar nas discussões. O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, já declarou que avalia a possibilidade de lançar o nome do governador do Paraná, Ratinho Junior, como pré-candidato a presidente.
Em Pernambuco, a tucana Raquel Lyra trabalha para atrair o apoio de Lula e do PT para disputar a reeleição no próximo ano. O principal adversário da governadora é o prefeito do Recife, João Campos (PSB), que foi reeleito com ampla vantagem nas eleições municipais de 2024, quando não abriu espaço para ter um vice petista na coligação da ala da esquerda.
A aproximação de Lyra com o PT aponta para um racha na esquerda pernambucana, estado do presidente Lula. Apesar do convite de uma ala petista, a chance de Lyra migrar do PSDB para o PT é pouco provável. No entanto, a “benção” de Lula deve ser necessária para segurar o ímpeto político do jovem prefeito, herdeiro político de Eduardo Campos, principal líder do PSB no Pernambuco, morto em 2014 em um acidente de avião em plena campanha presidencial.
Mesmo após fusão do PSDB, Raquel Lyra deve manter elo com Lula para 2026
Para manter a governabilidade e ampliar a força política para as eleições de 2026, a governadora Raquel Lyra ampliou o diálogo com os partidos de centro e da esquerda pernambucana, entre eles o PT, uma das principais siglas do estado pela influência do presidente Lula. A cientista política Priscila Lapa lembra que, no primeiro ano de mandato, Lyra teve dificuldades na composição política e no relacionamento com a Assembleia Legislativa por formar um governo mais técnico, o que desagradou os partidos.
No entanto, a cientista política ressalta que Lyra se envolveu diretamente na articulação das campanhas municipais em 2024, com vitórias importantes nas cidades do estado, e ainda conseguiu se aproximar da base de deputados na Assembleia Legislativa. “A governadora Raquel Lyra conseguiu ampliar o número de prefeitos do PSDB. Isso tem muito mais a ver com a figura da máquina, de apoio dela e de estrutura do que de fortalecimento partidário”, analisa.
A postura de Lyra também é uma resposta ao impacto da popularidade de João Campos. “A Raquel Lyra ampliou a base na região metropolitana, onde de fato ela não tinha muita penetração e ampliou o diálogo com o PT. A eleição em Pernambuco sempre passa pelo PT, não porque seja o principal ator político, mas porque quando ele se posiciona ou como aliado ou como oposição à principal força política do estado, que até então era o PSB, isso tem um peso no processo de definição de alianças”, explica Lapa.
Nos bastidores, petistas como o senador pernambucano Humberto Costa e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, chegaram a defender a possibilidade de convidar a governadora para filiação ao PT, o que aponta para o descontentamento com Campos, que optou por Victor Marques (PCdoB) como vice-prefeito na capital. A escolha frustrou as ambições petistas em herdar a administração do Recife após a eventual saída do prefeito para a disputar o governo em 2026.
“Pela proximidade com o presidente Lula, a governadora tem portas abertas dentro do governo federal. No âmbito local, alguns atores do PT também sinalizam positivamente. A governadora pode não ter um diálogo partidário, mas com pessoas, e isso amplia a perspectiva e as especulações de ter o PT como aliado no projeto de reeleição”, analisa Lapa, que não descarta a manutenção de uma aliança regional com o PT após a fusão do PSDB com outro partido. Tanto PSD como MDB possuem relações com o governo Lula com participação em ministérios e apoios eleitorais, dependendo da região do país.
Não lançar Eduardo Leite a presidente foi um erro, diz Beto Richa
Em entrevista à Gazeta do Povo, o ex-governador do Paraná Beto Richa classificou como um “erro estratégico” o PSDB ter ficado de fora das eleições presidenciais de 2022, o que gerou dificuldades eleitorais e levou à diminuição do partido. “Devíamos ter lançado candidato à Presidência da República. O Eduardo Leite é um político jovem com discurso moderno. Nós vimos o resultado na eleição com a polarização entre Lula e Bolsonaro. Não se assistia nos debates eleitorais, nos programas partidários, propostas apresentadas pelos candidatos. Apenas ataque de ambos os lados. Com o Leite, teríamos certamente um outro nível de debate eleitoral”, avalia.
Mesmo em caso de derrota nas urnas, Richa afirma que a situação do partido seria “muito mais favorável”, se o PSDB tivesse participado da disputa do pleito presidencial de 2022. “Faz parte da vida partidária disputar as eleições. O PSDB teria um bom desempenho. Se não vencesse, pelo menos não teria nenhum prejuízo como o que sentimos hoje”, opina.
Em 2022, Leite chegou a renunciar ao governo gaúcho para disputar o cargo de presidente; Porém, após a decisão da liderança tucana de não lançar candidato com a desistência de Dória, Leite foi candidato ao governo do Rio Grande do Sul, tendo sido reeleito para o segundo mandato. Ou seja, o caminho político – sem a possibilidade de disputa de um terceiro mandato no governo gaúcho – pode ser concorrer à Presidência em 2026 pelo PSDB ou pelo grupo político, resultado da fusão tucana com outra sigla.
“Sobre a questão do PSD, os governadores iniciaram uma conversa com o principal líder do partido, que é o Kassab. Eu participei pessoalmente de reuniões no Congresso Nacional com a presença do Aécio Neves [deputado federal e ex-governador de Minas Gerais] e outros líderes do nosso partido com o Baleia Rossi, presidente nacional do MDB. Depois disso, também tivemos conversas com a deputada Renata Abreu [presidente do Podemos]. Ambos demonstraram entusiasmo e uma grande disposição em estar juntos com o PSDB”, comentou Richa, que ressaltou o histórico tucano com administrações estaduais e na era FHC.
O deputado federal pondera que a fusão com um novo partido pode causar “problemas localizados” em municípios ou estados, onde as siglas são antagônicas. “Um probleminha aqui, outro ali, mas é superável. Todo mundo tem que abrir mão um pouco para conseguir o objetivo maior, que é o fortalecimento da sigla no âmbito nacional”, minimizou.